

O ministro Alexandre de Moraes volta a ocupar o centro de uma das maiores contradições jurídicas da história do Supremo Tribunal Federal (STF). Relator do inquérito que investiga seu ex-assessor Eduardo Tagliaferro, o magistrado segue conduzindo as apurações mesmo após ser citado em mensagens e relatórios da Polícia Federal. O caso, que deveria servir de exemplo de transparência, tornou-se um espelho das distorções que corroem a credibilidade da Corte.
A investigação apura o vazamento de documentos por Eduardo Tagliaferro durante o período em que atuava no gabinete de Alexandre de Moraes. Segundo o ex-assessor, que hoje está abrigado na Itália, esses materiais comprovariam a atuação parcial do ministro em processos sob sua responsabilidade. Em meio às diligências, o nome de Moraes surgiu nos próprios autos, fato que, em qualquer tribunal do mundo civilizado, seria suficiente para determinar seu afastamento imediato da relatoria. No entanto, a defesa de Tagliaferro teve o pedido de suspeição negado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, onde os colegas de toga parecem incapazes de contrariar o poder concentrado nas mãos de um único ministro.
ssa inversão de papéis tem provocado reações firmes dentro e fora do meio jurídico. Parlamentares veem na postura de Moraes um claro conflito de interesse e um atentado à imparcialidade judicial. Juristas alertam que a permanência do ministro na relatoria viola princípios basilares do Estado de Direito, entre eles o da impessoalidade, previsto no artigo 37 da Constituição. Ainda assim, a Suprema Corte segue em silêncio, alimentando a percepção de que existe uma hierarquia informal onde alguns ministros simplesmente não podem ser questionados.
O “caso Tagliaferro” é o retrato mais atual de uma Corte que perdeu o senso de autolimitação. A convivência entre juiz e parte dentro de um mesmo processo seria inadmissível em qualquer instância inferior, mas parece tolerada quando envolve o topo do Poder Judiciário. A ideia de que “ninguém está acima da lei” esbarra, mais uma vez, no próprio guardião da Constituição.
Enquanto o inquérito segue em sigilo e sem previsão de desfecho, cresce em Brasília o desconforto com a falta de freios internos no Supremo. O tribunal que deveria zelar pela legalidade tornou-se, para muitos, uma instância política que atua sem transparência e sem o contraditório. Moraes, símbolo dessa fase personalista do Judiciário, consolidou um poder que o transforma em protagonista de todos os atos, inclusive daqueles que o citam.