Na contramão da memória de um dos episódios mais brutais do jornalismo brasileiro, a revista britânica Dazed publicou, nesta segunda-feira (2), uma entrevista com o funkeiro Oruam — filho de Marcinho VP, conhecido líder da facção criminosa Comando Vermelho. A matéria, que coincide com os 23 anos do assassinato do jornalista Tim Lopes, retrata Oruam como um “poeta da favela” e aposta numa abordagem que humaniza a trajetória do artista.
O ponto mais polêmico da reportagem, no entanto, foi a escolha do dia para publicação e a imagem utilizada no ensaio fotográfico. Em uma das fotos, Oruam aparece segurando um fuzil estilizado com câmeras fotográficas — uma referência direta à principal ferramenta de trabalho de Tim Lopes, morto durante uma investigação sobre prostituição infantil em bailes funk do Rio de Janeiro, à época controlados pela mesma facção criminosa ligada à família do cantor.
A revista também apresenta Oruam como um jovem tímido e talentoso, criado num lar evangélico, destacando o carinho familiar pelos seus poemas. Contudo, essa tentativa de suavização da imagem do funkeiro contrasta fortemente com sua relação com figuras como Elias Maluco — responsável pela execução de Tim Lopes — a quem Oruam já se referiu como “tio”. Elias comandou a tortura e o assassinato do jornalista, que foi queimado vivo após sofrer mutilações com uma espada de samurai.
Polêmica com recursos públicos
A reportagem ainda critica o chamado “PL Anti-Oruam”, apresentado pela vereadora de São Paulo Amanda Vettorazzo (União), que busca impedir o uso de verbas públicas em eventos que façam alusão ao crime organizado
Entretanto, Oruam não faz questão de esconder sua afinidade com o Comando Vermelho. Ele já foi filmado interpretando músicas que exaltam diretamente a facção, como “Faixa de Gaza”, de MC Orelha, com versos que afirmam: “Comando Vermelho RL até o fim”. Além disso, participou de faixas ao lado de MC Poze do Rodo, ex-integrante confesso do CV, preso recentemente por apologia ao crime organizado.
Ligações familiares e empresariais
Oruam não esconde sua afinidade pela facção criminosa. As ligações além das conexões familiares. O envolvimento com figuras associadas ao tráfico não para por aí.
Oruam e sua companheira, Fernanda Valença, foram padrinhos do casamento de Poze com Vivi Noronha — apontada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro como envolvida em esquemas de lavagem de dinheiro da facção criminosa.
A matéria da Dazed, embora procure criar uma narrativa de superação e arte, ignora o simbolismo e o peso histórico da data escolhida. Para muitos, a publicação representou um desrespeito à memória de Tim Lopes e um aceno perigoso à normalização de criminosos no cenário cultural.